quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

A viagem das 13h30 a marcar a diferença numa pacata manhã na carreira 15E

A viagem das 13h30 podia ser igual a tantas outras mas hoje não foi. Com partida de Algés e destino à Praça da Figueira, lá vinha eu descontraído, transportando turistas e portugueses que procuraram esta manhã o 15E para a sua deslocação. Uns estranham quando surjo na paragem com um autocarro. Outros sorriem e dizem que "hoje não ficamos certamente interrompidos por quem só pensa no próprio umbigo", fazendo alusão aos mal estacionados. Chegado à paragem do Largo da Princesa, entram mais uns passageiros à medida que outros vão saindo, embora o autocarro não prossiga cheio rumo ao destino final. 

Entre esses passageiros entrou um senhor que após se sentar num dos 4 bancos do lado direito que ficam frente a frente, decidiu mudar para o lado oposto, comentando com os vizinhos do lado que "é que eu já sou maluco e se apanho sol na moleirinha ainda fico pior", soltado de imediato uma enorme gargalhada. A este passageiro, vamos de apelidar neste texto, de Joaquim. 

E o Joaquim lá prosseguiu o resto da viagem, agora no lado esquerdo, sentado no ultimo lugar simples da fila ali mesmo em frente à porta da saída. Mas ao chegar ao Cais do Sodré, e já depois de tentar meter conversa ao longo da viagem com alguns passageiros, o tal Joaquim decidiu finalmente o seu alvo para criar um problema naquela viagem que tal como a manhã estava a ser tranquila. 

Entre os passageiros que entraram no Cais do Sodré, estava um homem de cor (ao qual passaremos neste post a chamar de Rui) que educadamente tinha cumprimentado o motorista ao entrar e imediatamente atrás de si, uma senhora idosa com uma canadiana que procurava um lugar para se sentar (á qual chamaremos neste post de Adelaide)

O Rui após validar o seu título de transporte e como a esta altura o corredor do autocarro estava já algo preenchido, encostou-se ali junto à cava da roda da frente e ao balaústre para arrumar a sua carteira na pasta que trazia consigo, sem se ter apercebido que atrás de si e querendo sentar-se estava a dona Adelaide. Entrava então em acção o Joaquim falando para o geral do autocarro que "esta malta não respeita os velhos. Nem deixam a senhora se sentar..." 

Perante isto, o Rui, após deixar a dona Adelaide passar, diz-lhe que "não deve estar a falar comigo certamente." E o Joaquim inicia então como tanto desejava, um diálogo aceso....

Joaquim: "Não estou a falar contigo não. ou tocaste-te?"
Rui: "Não me toquei, mas também não és ninguém para me tratares por tu."
Joaquim: "E tu, quem és tu?"
Rui: "E tu, quem és tu?
Joaquim: "E tu, quem és tu?"
Rui: "E tu, quem és tu?
Joaquim: "E tu, quem és tu?"
Rui: "E tu, quem és tu? (já ambos aos gritos)
Joaquim: "vai mas é falar assim para a tua família atrasado"
Rui já exaltado: "atrasado és tu. Em vez de estares aí a mandar postas de pescada, levantavas-te e ajudavas a senhora a sentar-se."
Joaquim: "E tu não me conheces de lado nenhum, estavas de pé ajudavas tu"
Rui: "mas fiz-te algum mal? devo-te alguma coisa? Estás a gritar para mim para quê se nem é nada contigo e a própria senhora não me disse nada e viu que eu não reparei nela»
Joaquim: "ao pé da polícia não falas assim..."
Rui: "Então chama a polícia se queres ver.. não me pesa a consciência de nada. Sou educado e vou trabalhar, não ando a passear como se calhar tu andas"

A gritaria era tal que já eu tentava acalmar o Rui, pedindo que ignorasse o óbvio, ao mesmo tempo que dois passageiros iam criando uma espécie de muro de Berlim entre ambos. A viagem parecia ter o karma atrás, pois os semáforos ficavam todos vermelhos a cada passagem, mas chegávamos então à Praça do Comércio, quando o Joaquim se dirige a mim e diz "Senhor motorista, vai ter de parar o autocarro na esquadra da Rua da Prata para identificar este senhor"

A dona Adelaide sentada no tal lugar dizia: "deixem-se disso que é uma coisa sem importância nenhuma". Mas o Rui dizia lá do fundo "vá lá então já que esse louco quer a polícia", mas dado que já se tinham acalmado não era intenção minha parar até porque o terminal era já a uns metros. Mas o sinal vermelho obrigou a isso e onde? Precisamente à porta da Esquadra da PSP.

Os agentes entram no autocarro, o Joaquim pede para identificarem o Rui porque o tinha injuriado e a meio disto a dona Adelaide levanta-se e diz que "foi por causa do meu lugar mas o senhor não me viu. Não fez por mal." O agente poderá por instantes ter pensado ser algo para os apanhados e terá dito para a dona Adelaide que "mas eu ainda não lhe perguntei nada." 

O Rui tenta explicar o sucedido e defende-se dizendo que tal como todos os passageiros a bordo podiam comprovar o Joaquim é que começou a provocá-lo sem mais nem menos. O agente informa o Joaquim que para apresentar queixa tem de efectuar um pagamento de duas custas no valor de 20 euros cada. O mesmo diz que tem conhecimento. Os agentes retiram o Joaquim do autocarro e apercebendo-se perante a opinião generalizada dos passageiros que o problema estava já do lado de fora do autocarro, informa-me que posso prosseguir viagem e comigo seguiu o Rui e a dona Adelaide. 

Uns metros à frente a viagem chegaria finalmente ao fim com o Rui a dirigir-se a mim e a pedir desculpa pelo transtorno causado mas que apenas entrou para se deslocar para o trabalho como faz todos os dias, mas que não estava à espera ser agredido verbalmente desta forma por um sujeito que se intrometeu num caso que nem era com ele.

Para trás tinha ficado um Joaquim com ar desolado a ver o autocarro partir sem ter o Rui identificado, entrando na Esquadra para possivelmente preencher papeis...

E assim vão as viagens a bordo dos veículos da CCFL, na esperança que amanhã o serviço seja bem mais tranquilo, porque as pessoas hoje em dia parecem entrar num transporte com um único objectivo, o de encontrar alguém onde descarregar todo um stress ou frustração.

Boas viagens! 

[n.d.r.]: Os nomes Joaquim, Rui e Adelaide são fictícios e foram escolhidos de forma abstracta apenas para ajudar a entender os diálogos cruzados desta aventura que foi esta viagem entre Algés e a Praça da Figueira.

1 comentário:

nuno disse...

Foi por essas e outras semelhantes , que eu deixei de conduzir autocarros, arruínou-me o sistema nervoso. Um belíssimo texto, muito bom. Obrigado ! E muitas felecidades.

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