terça-feira, 5 de setembro de 2017

Gravidez pode dar prioridade mas não livre trânsito...

Dia de Feira da Ladra promete sempre muita confusão na 28E, mas ao contrário do que se esperava a manhã até foi tranquila neste meu início de mais uma semana de trabalho. Carro cheio para os Prazeres, carro cheio para o Martim Moniz, e pelo meio apenas o desabafo de quem tinha visto na véspera todo o seu ouro desaparecer sem saber como. «Eu devia estar parvo não sei. Veja só que estava na paragem à espera do carro eléctrico, quando pára um tipo ali na Graça e me tira a pulseira e o fio na profunda das calmas e eu não me apercebi de nada senhor guarda-freio... É uma cambada que aí anda e a polícia não faz nada...», dizia quase a chorar o idoso em jeito de desabafo. 

«Ando sempre a avisar os outros para terem cuidado e no fim quem foi roubado fui eu. É a vida!» acrescentou já quando se preparava para sair no Largo da Graça para ir comprar o pão. A viagem prosseguiu rumo ao Martim Moniz, com turistas afoitos em busca do Miradouro da Graça que já estava para trás. Saíram em Sapadores e disse-lhes que tinham de andar para trás até ao largo. Duvido que tenham entendido. Pois seguiram em frente o Largo dos Sapadores. 

Depois de chegado ao Martim Moniz, fui rendido e dirigi-me para a Praça da Figueira onde iria iniciar a segunda parte do meu serviço na carreira 12E. A caminho do Castelo pela subida da Mouraria, cruzam-se vizinhos. Trocam-se lamurias porque «a idade já vai pesando», dizem. «Deixe-me sair ai na próxima paragem que já chega de voltinhas por hoje. Vou fazer o Almoço», diz-me uma cliente habitual da 12E, daquelas que parece ter lugar cativo à janela. 

A tarde passava, com viagens de 20 minutos a decorrerem dentro da normalidade até que antes de iniciar a última viagem do meu serviço teria de aparecer algo para me fazer perder algum tempo. A fila na paragem era grande e enquanto cobrava os bilhetes a um casal de espanhóis, atrás surge vinda do Rossio uma jovem apressada... «Estou grávida ok?! Deixe-me passar, veja lá!», dizia em tom pouco simpático para uma francesa que estava pronta para subir o estribo. Contei até 10 para não me meter naquela troca nada amistosa de palavras entre ambas, até que observo a jovem passar em direcção ao banco da janela a meio do corredor, como passam os carros com identificador na Via Verde da portagem, na auto-estrada. Nem um "boa tarde", nem um "obrigado" e aquilo começou a ferver cá dentro, até porque o volume daquela barriga era algo estranho para uma gravidez. 

Viro-me para trás e peço-lhe delicadamente que valide o título de transporte. Ela olha-me de cima a baixo e diz-me «valido já, senhor!», esperando que entretanto vendesse mais alguns bilhetes para me apanhar distraído. Mas eis que ela se dirige ao validador, o mesmo acende a luz vermelha e senta-se. Observo tudo pelo espelho retrovisor. E começo a ver sair de um saco, vários pares de calças, aos quais se juntam um que sai debaixo do vestido. Descontraída começa a dobrar as calças, par por par. Peço-lhe novamente que valide um título de transporte válido porque "gravidez" além de não ser doença, também não é livre trânsito nos transportes. Sim ainda há quem confunda prioridade com gratuitidade. 

Chateada grita comigo que «já passei e não me vou levantar novamente para passar». Digo-lhe que deu luz vermelha e que para se transportar tem de dar verde ou adquirir um bilhete. Mas insiste: «Não me vou levantar outra vez que venho cansada! Já o conheço à anos e nunca implica e hoje tá a implicar?» ... e juro-vos, nunca vi tal personagem desde que trabalho na Carris, mas tudo bem. Ela insiste em dizer que não sai do eléctrico e eu insisto em dizer-lhe que não lhe estou a pedir para sair. Apenas para validar ou comprar um bilhete, porque isto da paciência, também tem limites. Ela entretanto levanta-se e diz-me já menos exaltada, que o melhor é mesmo sair e ir no próximo. Pede-me desculpa mas que não tinha o cartão carregado. Eu explico-lhe que a forma como entrou não foi correcta e que apenas me limito a fazer o meu trabalho, despede-se com um «tá-se bem chefe!» 

E lá sai com a barriga mais leve e o saco mais composto, porque afinal de contas a gravidez era outra. Já dizia o outro... "E esta hein?!"


2 comentários:

CR 35 disse...

Se estivesse grávida ocupava logo o lugar respectivo.

Anónimo disse...

Estava a ler e a fazer um "filme" na minha cabeça do que se estava a passar. Uma simples conjectura. E depois li:

"E começo a ver sair de um saco, vários pares de calças, aos quais se juntam um que sai debaixo do vestido. Descontraída começa a dobrar as calças, par por par."

O "filme" na minha cabeça estava certo.

2-3-9

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