sexta-feira, 3 de março de 2017

Quando algo corre mal #aculpaédoguardafreio neste quotidiano citadino cada vez mais desgastante...

Cada vez mais as pessoas reclamam apenas porque sim, apenas porque não têm em casa com quem desabafar ou simplesmente porque saem do emprego revoltados e reclamam com o motorista, reclamam com o guarda-freio. E engana-se aquele(a) leitor(a) que julga ser um descanso trabalhar no eléctrico articulado. É de facto mais sossegado que os tradicionais eléctricos onde os passageiros viajam "enlatados" em cima do tripulante, numa viagem alucinante pelas ruas de Lisboa, causando por vezes uma experiência única, no entanto cada vez mais as pessoas comportam-se de uma forma, para a qual não consigo encontrar adjectivação.

O bater na porta da cabine torna-se uma constante. Ora porque metem o cartão multibanco nas ranhuras das notas, ora porque as portas fecham-se e eles acham que somos nós que as fechamos de propósito, ou simplesmente porque querem saber se o eléctrico vai para Belém quando na frente tem um destino grande e visível com a palavra "BELÉM". Há de tudo e para todos os gostos. Até há os que batem à porta para saberem a que horas arranca o eléctrico, quando na paragem onde dizem ter estado tanto tempo à espera, tem os horários afixados porque estão no terminal.

Torna-se portanto cada vez mais desgastante trabalhar num transporte público numa cidade como Lisboa, onde os imprevistos causados pelo trânsito levam por vezes a interrupções e encurtamentos, que não estão de todo ao nosso alcance a sua solução. Depois há as reclamações, ora porque o eléctrico não avisa as paragens, ora porque as portas estão constantemente bloqueadas ou até porque o ar condicionado não funciona e gostamos de fazer sofrer os passageiros com saunas, quando nós que vamos fechados na cabine e sem vidros para abrir, levando com o sol de frente somos os mais prejudicados. 

Foto de Francisco Miguel Sardinha.Estas são portanto situações que no dia-a-dia tornam-se já um "habitué" no 15E, mas quando surge um imprevisto daqueles que causa grandes transtornos, como foi o caso deste final de tarde, onde na Praça da Figueira, devido ao vento forte um andaime esteve em risco de colapsar, há que terminar a viagem a meio, quando chega a informação da central comando de tráfego. «Interrupção na P.Figueira. Terminar viagem no C.Sodré. Obrigado», lia-se na consola. Até aqui tudo bem. O pior é quando temos de informar um eléctrico articulado com mais de 200 passageiros sobre a situação e o micro de comunicação interna não funciona. 

O abrir da porta da cabine é quase como uma entrada para o corredor da morte onde estão mais de 200 pessoas que desejam chegar rapidamente a casa, ao hotel ou ao trabalho, e quando dizemos que a viagem tem de terminar ali começa uma sinfonia de reclamações em português, inglês, francês, espanhol, italiano, etc... Há os que entendem e abandonam o carro (tipo 5% da lotação) e depois há os que querem saber o porquê de ser sempre a mesma coisa misturados com os estrangeiros que não entendem português e para os quais temos de ajudar encaminhando para outras carreiras. Pelo meio, há insultos, há provocações, há ameaças, há tudo e mais alguma coisa para atrasar ainda mais a saída do eléctrico daquela paragem, quando um microfone a funcionar resolve a questão em 1 minuto, porque informamos no geral que a viagem tem de terminar e têm de abandonar o veículo.

E hoje não foi excepção. Avisei que a viagem terminava ali e uma das poucas pessoas que tinha lido o destino "CAIS DO SODRÉ", veio questionar-me o porquê. Explico-lhe que havia um andaime a cair na Praça da Figueira e logo começa a questionar-me e com ar de gozo «e de manhã foi o quê? tivemos de vir num 15E autocarro...» Pois de manhã não sei. De manhã apenas sei que caí da cama mal ouvi o despertador tocar avisando-me que estava à porta mais um dia como o de hoje. E já ter tido um autocarro 15E terá tido muita sorte porque muitas das vezes nem um autocarro é possível lá colocar. 

As pessoas reclamam cada vez mais com quem nada pode fazer e sabem cada vez menos apresentar uma reclamação, ao ponto de esgotarem a paciência a quem tem de muitas vezes respirar e contar até 10 para que não percamos também nós a razão, porque somos nós quem damos a cara pela empresa, mesmo quando estamos cansados de reportar avarias como as dos microfones, ar condicionado e portas....

Esquecem-se as mesmas pessoas que também nós por vezes e não tão poucas como isso, somos prejudicados porque acabamos por recolher muito depois da nossa hora, deixando por vezes a refeição junto da família para outra altura porque já não vamos chegar a tempo e temos de comer uma sandes ou uma sopa num café enquanto aguardamos a resolução de uma interrupção. Mas que interessa isso a essa gente? Nada, pois até dizem que pagaram o passe... por isso chego à conclusão que #aculpaédomotorista e #aculpaédoguardafreio.

5 comentários:

jose luis covita disse...

Muito bem escrito. Muito bem dito.Como passageiro plenamente de acordo.

CR 35 disse...

Cada vez mais vivemos numa era de BURRICE completa. Os passageiros têm telemóveis topo de gama mas só sabem mandar mensagens, têm todas as informações nas paragens, mas só sabem ver os bonecos.Usam óculos de sol para não encadear,mas só vêm os pombos que andam no ar. A juntar à BURRICE de alguns passageiros temos um Presidente de Câmara que em vez de olhar para os transportes públicos ....só vê obras! assim pode encomendar 250 autocarros e alguns eléctricos para depois fazerem bicha na 24 de julho ou nos corredores BUS ou nas ruas onde meia dúzia de asnos estacionam mal ou em segunda fila parecendo uma parada. Sim já não há paciência para tanta asneira.....IRRRA! boas viagens a bordo das ainda fantásticas casinhas amarelas.Boa semana.

ana disse...

vocês, motoristas e guarda-freios, são uns verdadeiros heróis... têm que suportar cada situação!... e, ainda assim, conseguem continuar a sorrir e a ser simpáticos para toda a gente... muito obrigada...

Anónimo disse...

Como me identifico neste texto escrito por quem sente na pele a azáfama de um dia de trabalho na cidade de Lisboa. É de sair do serviço de cabelos em pé e só com vontade de chegar o mais rápido possível a casa, onde também temos filhos e marido que muitas das vezes acabam por pagar as favas à conta de um dia super, mega stressado. Irrra! Mas isso pouco importa para quem diz que paga o passe e que nos paga o ordenado, que por acaso e infelizmente é uma miséria para quem tanto trabalha e atura 6 dias por semana. Quanto ao mau humor dos passageiros, graças a deus que não são todos.

Anónimo disse...

Como colega do Rafael só posso dizer que compreendo perfeitamente.
Mas giro giro é ver esses artistas que reclamam de tudo, virem depois de sorriso aberto para o tripulante abrir a porta fora da paragem, por exemplo.

E foi por causa do comportamento de uma grande parte dos passageiros da empresa e por causa de estar farto de os ouvir sem razão, ao ponto de me causar raiva ouvi-los dizer bom dia, que fui ao medico e ja fiquei a relaxar e a acalmar com medicação estes sentimentos.

Se nao resultar, tratamento prolongado e afastamento do trabalho até estar a 100%.

É o resultado de 17 anos a aturar publico que conhece sempre os seus direitos, mesmo os que nao existem, e nunca os seus deveres, apesar de ultimamente até terem razão em alguns aspectos.

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