quarta-feira, 7 de setembro de 2016

28 ao rubro: Mais trabalhasse e mais interrupções teria para tardar a entrar na folga

Mais uma viagem mais uma interrupção. Poderia ser esta a frase resumo desta semana sobretudo por esta quarta-feira, o meu último dia antes da merecida folga. Mas se ontem o dia tinha sido calmo na 15E ao ponto de apanhar passageiros a dormir no fim da viagem, já esta manhã energia parecia não faltar aos passageiros que mal dormem para andar no 28E. Após realizar a primeira viagem do Martim Moniz rumo aos Prazeres, já depois de ter feito uma viagem no sentido inverso, aproveitava ou pouco tempo disponível entre a chegada e a partida da próxima viagem para atender uma chamada que tinha recusado no decorrer da viagem por estar a conduzir. Contudo, uma turista decidia dar dois murros na lateral do eléctrico no sentido de me chamar. Indico-lhe a paragem e que aguarde lá. Mas como respeito é algo que cada vez mais falta a quem nos visita, ela insistia em interromper aqueles preciosos minutos que temos disponíveis e que são nossos. Mais dois murros no painel do eléctrico dizendo que era só uma questão. Explico-lhe que já lhe respondia, mas que estava ao telefone e pedi que respeitasse o meu tempo. 

Revoltada, como se o mundo acabasse em instantes e não fosse esclarecida, estica-me o terceiro dedo e manda-me para outro lado em inglês. E eu também já revoltado e farto de tanta falta de respeito, viro-lhe as costas. Já quando faltavam 5 minutos para a partida, chego o eléctrico à paragem para acolher os passageiros e inicio viagem. Um dos turistas na paragem diz-me que «ela devia ser louca!». Mas lá segui para M.Moniz onde me esperava a hora do almoço. 

Já de barriga cheia volto para o segundo tempo de trabalho para mais quatro viagens na famosa 28E. Ainda não estava na hora de render e já estava a receber ordens para avançar via sms pela consola de comunicação com a central comando de tráfego. Efectuei a rendição e inicio viagem. Uma turista pede-me 2 bilhetes sentados. Digo-lhe que sentado ou de pé são 5.70€. Ela procura trocos ao mesmo tempo que olha para o corredor e diz: «mas não tem lugares vagos!» Informo-lhe que não é um eléctrico turístico e que pode viajar de pé. Mas ela insiste que não quer viajar de pé, mas sim sentada. Digo-lhe que nada posso fazer, porque não posso obrigar ninguém a levantar-se para ela se sentar e ela decide esperar pelo próximo, como tantos outros fazem.

A viagem prossegue rumo aos Prazeres mas não por muito tempo, já que nas Escolas Gerais, o Trolley decide saltar da rede aérea e a corda decide também ela ficar presa numa espia, impossibilitando a que puxasse a vara para recolocar a roldana no lugar devido. Precisamente na paragem antes, dois turistas ao verem o meu eléctrico atrás do qual onde seguiam viagem, tinham saído para viajarem mais à vontade no meu, mas andaram 50 metros. Informo a central do sucedido e peço ajuda do carro do fio para solucionar o problema. Digo aos passageiros que têm como alternativa o Largo das Portas do Sol, a poucos metros do local para prosseguirem viagem sem penalização tarifária. Mas alguns permaneciam intactos como se nada tivesse acontecido. Afinal de contas eles até acham sempre graça a estas situações e estão de férias pelo que têm tempo para esperar para verem o desfecho. 

Chega então a ajuda de Santo Amaro e após subirem à parte superior do eléctrico, lá se conseguiu retirar a corda da espia e recolocar a roldana no cabo da rede aérea. Podia assim prosseguir viagem. Segui reservado para o L.Camões a fim de acertar o horário rumo ao Martim Moniz, por indicação da CCT e estava resolvido o problema e restabelecida a circulação, já depois de todos darem ideias. "Puxe assim, faça ali, corte aqui", como aliás acontece sempre.

Do Martim Moniz segui novamente para os Prazeres e na viagem de regresso para depois recolher mais um episódio haveria de surgir. Na rua do Loreto, perante uma tranquilidade daquelas a que assistimos quando estamos na praia a desfrutar do sol e a ver as ondas, estava uma carrinha do lixo a recolher em plena hora de ponta o lixo do comércio local. Em frente à peixaria, quase parecia uma lota com as caixas do peixe em esferovite colocadas em pilha sobre a linha do eléctrico. A rapariga mal tinha mãos a medir para tanto lixo tal como a carrinha que aparentava já estar com o depósito cheio. Passavam os minutos... 5... 10... 18 e eis que finalmente conseguiram colocar o lixo e retirar a carrinha da frente. Os turistas já tinham registado esta recordação através de inúmeras fotos. Os brasileiros diziam que eram «uns folgados» enquanto que os franceses diziam que «c'est incroyable».

Tardava assim a chegar a merecida folga mas deste episódio já me tinha livrado e restava chegar ao Martim Moniz para depois recolher. Contudo, como não há uma sem duas nem, duas sem três, eis que na Avenida Almirante Reis a uns metros da Marisqueira do Ramiro, um Peugeot impede a passagem do eléctrico rumo ao Martim Moniz. O lugar de estacionamento é perpendicular mas a condutora do carro achou que era na diagonal que ficava bem estacionado. Parei às 19h24 e informei a central, a fim de ser enviado o reboque, dado que após tocar insistentemente à campainha ninguém aparecia. Mas aqui os minutos foram mais e chegou a ultrapassar uma hora. Pelo meio, lá tinha de aparecer alguém a dizer o mesmo de sempre... «Então isso não passa? Não me diga! Eu acho que passa bem!» Ironicamente digo que somos nós que estamos a descansar... e o senhor insiste «Ah bem me parecia, estão é a descansar...» e esclareço-o, pois ao ponto que já devia estar a jantar com a família e ainda aqui estou. Colocou a viola no saco e seguiu o seu caminho enquanto eu e os restantes colegas ali parados prosseguimos também à espera do reboque. 

O dia virou noite até que aparece uma senhora com o dedo no ar como se um donut's estivesse a pedir mas a dizer «é meu é meu! Não passa?» Chateado digo-lhe que "não passa desde as 19h24. São 20h45 e provavelmente a senhora até já jantou e por causa de si os passageiros tiveram de prosseguir o resto do caminho a pé e eu já devia estar em casa e ainda aqui estou!" e ela desmente-me e diz: «Impossível estar aqui desde as 19h24!» É preciso ter uma lata... ao ponto de dizer «então recue lá...» Desculpe mas isto agora só anda para a frente, agora tem de retirar o carro para a frente e depois dos eléctricos passarem retira o carro... E assim foi. Pude finalmente seguir até ao Martim Moniz e recolher. 

Cheguei à estação atrasado e entro na folga duas horas mais tarde do que devia porque nesta cidade tudo vale menos arrancar olhos, porque ninguém respeita ninguém e quem vier atrás que feche a porta, assim como eu também fecho agora esta semana, na esperança que na próxima o meu íman às pessoas que aparecem só para implicar atraia menos vezes. Boas viagens!

3 comentários:

CR 35 disse...

Realmente é mesmo uma aventura! viva Lisboa

Miguel disse...

Enquanto não houver uma articulação séria entre a autarquia, a Carris, e a polícia, de forma a garantir que é levada a sério a interrupção da circulação dos eléctricos por parte de automobilistas inconscientes ou egoístas, isto não vai a lado nenhum. Obrigado, Rafael, pela sua perseverança e gosto pelo que faz.

Anónimo disse...

Essa fotografia do turista deitado ao comprido está genial!

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