sexta-feira, 10 de abril de 2015

Greve da Carris: Contra a privatização de uma empresa com 142 anos

Há quem diga que do passado reza a história, mas nem todas as empresas se podem orgulhar de ter uma história como a da Carris. O presente não é o melhor, mas o futuro esse só Deus saberá mas adivinha-se que será negro, contudo muitos ainda não acordaram para essa realidade. Quem segue este blogue desde há uns anos a esta parte, sabe certamente que poucas vezes aqui falei de greves ou de factores externos ao dia-a-dia de quem anda aos comandos dos autocarros e eléctricos que fazem movimentar a cidade de Lisboa, contudo, dada a importância do momento e a minha admiração pela farda que visto e represento, achei por bem que devia aqui dar a conhecer um pouco daquilo que foi o meu dia de trabalho (greve) desta sexta-feira, 10 de Abril de 2015. 

O Governo ciente de que o processo tinha de ser rápido, lançou a concurso a privatização da transportadora da cidade de Lisboa, deixando de fora aqueles que são o rosto da companhia - os tripulantes. Fomos colocados à venda sem saber como nem porquê. Na comunicação social, somos vistos como os "patinhos feios" da crise quando milhões rolam na banca para pagar dívidas de BES, e afins, porque só interessa falar de uma parte. Não se ouve falar do que poderá vir a mudar com a privatização, como o aumento das tarifas, a redução da oferta, aumento dos tempos de espera, já para não falar das condições que poderão ser substancialmente piores. Os passageiros, esses preocupam-se apenas também com o seu próprio umbigo. Criticam quem faz greves, porque já pagaram o passe, e nem tentam sequer saber o porquê da greve. Muitos falam nas televisões que estão há muito tempo à espera do autocarro no dia da greve, mas nem imaginam quanto tempo terão de esperar no futuro com a privatização. 

Mas políticas à parte, porque disso estamos todos nós fartos, hoje como na última greve da Carris, fui para a estação, mas não levantei a chapa. O meu eléctrico ficou lá dentro. Perdi dinheiro, mas na esperança de ganhar um futuro melhor. Estive na luta pelos meus direitos e pela minha dignidade, mas também pelos 142 anos de história da Carris. Todos sabem o gosto que tenho de trabalhar na Carris, embora a minha formação profissional tenha sido para estar atrás das câmaras de televisão. Visto a camisola como ninguém, porque cresci em Lisboa com a Carris, aquela que agora querem extinguir. Posso não concordar com quem tenha "furado" a greve, mas as atitudes ficarão para quem as pratica que certamente terão as suas razões, mas que certamente no futuro não poderão vir queixar-se da cama que ajudaram a fazer. 

Mais uma vez vi uma maioria de tripulantes a lutar por um futuro que é de todos dentro da empresa, desde dos que ficaram nos gabinetes agarrados aos computadores, aos que no cargo de chefias andaram a conduzir eléctricos para quem queria trabalhar, não ser visto a sair da estação. Afinal de contas a democracia também é isto, é a liberdade e embora não entendendo, tenho de aceitar embora fique triste, porque certamente muitos falecidos e ex-companheiros devem estar a dar voltas nos túmulos depois de tantas lutas em prol do pouco que ainda temos. 

No entanto, as imagens dos parques de Miraflores, Pontinha, Musgueira e Santo Amaro, repletos de autocarros e eléctricos surpreenderam-me pela positiva, porque embora tardia, esta greve provou que alguns adormecidos acordaram e encararam a realidade de frente. Estive presente no plenário de trabalhadores que decorreu na minha estação com vista a serem tomadas decisões para as próximas lutas e orgulhei-me uma vez mais de fazer parte desta empresa. Quando queremos, juntos sabemos mostrar a nossa força e ambição e provar que não precisamos do metro para nada, até porque antes de haver metro já havia a Carris. 

A polícia esteve no local, mas uma vez mais os trabalhadores provaram que são pacíficos e que têm sentido de responsabilidade, porque o objectivo é defender o futuro da empresa e não arranjar conflitos. Vim para casa de consciência tranquila e sabendo que perdi um dia de trabalho em prol do futuro da empresa que represento há 8 anos com muito gosto. Aos passageiros que seguem o blogue, apenas uma última mensagem: Esta luta também é por vós. Compreendo as dificuldades criadas na mobilidade da cidade nestes dias, mas esta é a única forma que temos de lutar e de nos ouvirem. Juntem-se à luta e não fiquem sem Carris. 

Amanhã é Sábado, mas ao contrário do que muitos pensam e esquecem, amanhã há tripulantes que trabalham, porque as greves não são marcadas em função dos fins-de-semana. Assim, amanhã será dia de voltar a sair com o eléctrico da estação. A todos os votos de umas boas viagens a bordo dos veículos da CCFL. 

6 comentários:

Pedro disse...

"Quando queremos, juntos sabemos mostrar a nossa força e ambição e provar que não precisamos do metro para nada, até porque antes de haver metro já havia a Carris."

O que quer dizer com esta frase?

Cumprimentos

Unknown disse...

Muito bom amigo rafa partilhado.....

CR 35 disse...

Cada vez mais se assiste a reclamações ignorantes ,depois de privatizarem a EDP,os CTT, reclamam do mau serviço, mas quando chega a hora de pagar facturas ,esquecem-se que as EPAL e os TRANSPORTES PÚBLICOS que se querem PÚBLICOS e não PRIVADOS poderão estar a caminho, serão dolorosas de pagar.Alguns serviços poderão ser melhores nos privados que no público ,mas nunca em serviços básicos é para isso que nós pagamos impostos.Boa continuação a bordo dos amarelinhos da CCFL

Dona Maria disse...

Eles só nao vendem as próprias maes porque, nao podem!

Unknown disse...

Por opção e por obrigação, não faço greve. Ao trabalhar num hospital de Lisboa, por turnos, acaba por ser igual fazer greve ou não.
O facto de fazerem greve e prejudicarem utentes, é mau, mas estão aa fazê-lo pelos motivos certos! Não estão a fazê-lo por regalias, por subsídios que não lembram a ninguém. Fazem para manter um serviço ao público, público.
Por outro lado, no caso do Metro, já me custa mais a compreender, porque verdade seja dita, as condiçoes de trabalho para tripulantes da Carris são bem piores do que as do Metro.

Força!

Anónimo disse...

Posso até ser contra a privatização, mas não percebi essa frase contra o metro de Lisboa. O facto de ambos os sistemas serem públicos não equivale a estarem de costas voltadas - pelo contrário, devem ser colaborantes e complementares.

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