domingo, 11 de maio de 2014

Turismo electrizante: Corre-se e chora-se por um eléctrico em Lisboa...

Desesperadamente e após longo tempo de espera a turista avista o eléctrico vermelho. No topo sobre fundo preto lê-se «Circuito Turístico». É mesmo este! Sozinha em plena Praça Luís de Camões, no meio de um intenso corrupio de gente que por ali aproveitava mais uma tarde de sol, eis que a porta aberta do eléctrico, mesmo sem o guarda-freio que estava a fazer a agulha no auxílio à manobra do eléctrico 28 que seguia na frente, convidava à entrada daqueles que pouco valor dão ao respeito. Desse aquela porta acesso a um poço sem fim, e entraria certamente na mesma, porque o que interessava era entrar no eléctrico. 

O eléctrico estava com a lotação dos 24 lugares completa. Apercebendo-se da entrada não autorizada da turista, o guarda-freio, encarecidamente explica-lhe que a lotação estava cheia, havendo já e excepcionalmente dois passageiros que optaram por viajar de pé, junto aos dois pontos de escuta da rectaguarda. Teria portanto de aguardar o próximo eléctrico, ou optar pelo 28 uma vez que o bilhete era válido. 

Num intenso e por vezes complexo diálogo em inglês, a turista não queria sequer ouvir o que o guarda-freio tinha para lhe dizer e berrava... berrava, como se não houvesse amanhã, como se o poço não tivesse mesmo fundo e tentasse ouvir o eco de uma reclamação sem sentido algum. O guarda-freio explicava-lhe também que embora válido, o bilhete não garantia lugar no eléctrico seguinte após a saída numa paragem e a turista, desiste e caminha em direcção do chiado, como se o guarda-freio do eléctrico que alegremente tinha visto, fosse o seu maior inimigo de uma estadia em Lisboa. 

O eléctrico prosseguiu a viagem em busca da história que Lisboa dá a conhecer ao longo do trajecto que agora é feito em sentido contrário por imposição da Câmara Municipal que alega haver obras numa rua que está fechada, mas que na verdade não tem obras e está aberta. Os turistas comentam a forma rude e agressiva como a turista tinha abordado a entrada no eléctrico mesmo sem o tripulante estar presente. Passou-se pelo Chiado, desceu-se a Vítor Cordon, para de imediato se subir como se de um "looping" se tratasse. Ao topo avista-se o Castelo e a Graça ao mesmo tempo que se ouve um bruaaa de espanto pela desafogada vista que se obtém. 

Desce-se novamente à Baixa para ganhar fôlego e subir à Graça. A Procissão da Nossa Senhora da Saúde congestiona o trânsito nos Anjos e Martim Moniz e o Circuito das Colinas a par com o emblemático 28, vê-se obrigado a voltar para trás. Segue então viagem para a Praça da Figueira e dali ao Comércio é uma questão de minutos. A turista do Camões surge inesperadamente como a chuva numa bela tarde de sol. Pede para entrar e o guarda-freio, diz-lhe que ali não há paragem e que está cheio. Ela desata novamente a correr em direcção ao eléctrico vermelho que seguia na frente. Mas a guarda-freio diz igualmente que ali não pode entrar. Apenas na Praça do Comércio. A turista revolta-se e abre os braços em desespero. 

Pela atitude e gestos quem estava à volta e não soubesse o que ali se passava, poderia julgar que o Mundo estaria prestes a acabar. A turista não desiste e começa a correr ao lado dos dois eléctricos vermelhos. Também ela fica vermelha da corrida e do calor que se fazia sentir. Chega à Praça do Comércio segundos depois dos eléctricos e mal a porta de trás do eléctrico se abre para os passageiros saírem ainda antes de se iniciar nova viagem, já ela entrava e sentava-se como se de uma verdadeira meta se tratasse. Começa a chorar e diz que está há dois dias a tentar fazer o trajecto e não conseguia entrar porque ou estava cheio ou não havia eléctrico por causa de um carro mal estacionado. 

Os guarda-freios e a promotora de serviço na Praça do Comércio, compreendem o desespero mas explicam ao mesmo tempo que há regras e todas bem explicitas nos folhetos e no audio-guia, onde é dito que «embora seja possível sair em qualquer paragem, poderá no entanto, não ter lugar no veículo seguinte, derivado da reduzida lotação dos eléctricos....», assim como o facto das paragens estarem assinaladas. Afinal de contas em todo o lado a maioria dos transportes param nas paragens indicadas e por cá não é excepção. 

A turista respira fundo, senta-se e consegue finalmente fazer o que tanto desejava, andar no eléctrico vermelho que parte para mais uma viagem, deixando o guarda-freio deste blogue a pensar uma vez mais no tipo de turismo que se faz por aqui. Um turismo que parece querer ser um paralelismo ao stress diário dos portugueses. Um turismo sobre carris e nuns veículos que só por isto são únicos em qualquer parte do Mundo.

E assim se pode resumir e em jeito de prosa parte do caótico dia que foi o desde domingo na cidade de Lisboa. Amanhã há mais e com mais turistas que apesar de tudo são bem vindos e até nos causam igualmente bons momentos. Boas viagens a bordo dos veículos da CCFL.

1 comentário:

CR 35 disse...

A saga continua,fez-se um festarola na recepção ás 3 Rainhas com banda e tudo,mesmo ao lado do futuro terminal de cruzeiros no jardim do tabaco.Nessa recepção os dois mais influentes responsáveis pela cidade de Lisboa ,o Secretário dos transportes e o presidente da Câmara de Lisboa,tiveram que circular naquelas vias degradadas e em obras,sabem bem que o eléctrico é um digno e pouco acarinhado meio de transporte dos que nos visitam ou labutam na cidade.Será que é assim tão difícil encontrar uma solução para que os tão amados amarelos não poluentes ,possam voltar ao auge?não ! a vontade é política e as verbas até seriam fáceis de arranjar para mandar fazer mais uns quantos eléctricos e reactivar ou fazer mais duas linhas pelo menos .A cidade ficava a ganhar e estas situações que o Rafael descreveu podem acontecer na mesma, mas não com tanta frequência.Boas viagens (as possíveis e sem interrupções por causa de meia dúzia tapados)a bordo das casinhas amarelas da CCFL

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