sábado, 14 de dezembro de 2013

Dia exaustivo a bordo do 28E e com vivas a Salazar...

Poucas são as pessoas que realmente dão valor ao nosso trabalho, ou talvez não. Poucas são as pessoas que nos saúdam, mas também já estamos habituados. Poucas são as pessoas que não se queixam da falta de dinheiro ou de saúde e também é o pão nosso de cada dia. Mas muitas são as pessoas que em época de Natal, passam a cumprimentar o tripulante, ou até mesmo a desejar umas boas festas. Algumas até nos dão um doce para adoçar um dia amargo que nestes dias ainda se torna mais, com o trânsito em direcção à Baixa. Afinal estamos naquela altura do ano em que se esquece a crise, que pelo que parece, é só para alguns, e estamos também, naquela época em que o cheiro a ferodo abunda pelas filas que passam a ser longas. 

Quem aguarda o eléctrico na paragem, não pensa sequer no que poderá ter acontecido pelo caminho, e mal a porta se abre, é uma gritaria daquelas que também já vamos estando habituados. O eléctrico circula cheio, mas há sempre lugar para mais um. Encosto daqui, aperto dali, «levante-se mas é que eu já tenho 80 anos e quero ir sentada que tenho direito», ordena uma senhora sem tento na língua. Reclama que esteve 30 minutos à espera, que na verdade foram 40 porque só 20 foram necessários para descer a Almirante Reis. Diz que paga o passe e já não tem idade para andar nestes apertos e correrias, como se a tal fosse obrigada. Mora em S.Bento onde tem um supermercado à porta, mas teima em fazer as compras no Largo da Graça. Não gosta de turistas e ordena-lhes que «vão para a sua terra». Esquece-se a senhora que já viveu uma vida, que o turismo é importante, porque para ela o importante agora é que não lhe roubem mais da pensão que já não lhe chega para sobreviver, lamenta.

Entra sempre muito revoltada, mas acaba sempre por sair calmamente e com um agradecimento ao guarda-freio, ora porque descansa as pernas da longa espera, ora porque alguém a bordo lhe faz ver as coisas num outro ponto de vista, mas certo é que nunca abandona o eléctrico sem demonstrar o seu saudosismo por outras épocas. «Meu rico Salazar, fazes cá tanta faltinha...»

«No tempo dele não dizias isso...», respondem-lhe lá do meio do corredor. E lá vai ela para casa com os sacos numa mão e a muleta na outra. O Eléctrico esse permanece a percorrer os carris repletos de uma folha caduca que parece manteiga. No Largo Camões mais uma paragem de 10 minutos. A fila para a entrada do Parque de Estacionamento que está "completo" não anda nem desanda. Tocam buzinas, vindas de todas as direcções daquela praça. Os movimentos visíveis são apenas os dos transeuntes que carregam sacos com embrulhos pelos passeios numa correria em direcção das lojas como se não houvesse amanhã, porque afinal a crise não chega a todos. 

Finalmente lá chegámos aos Prazeres e com um atraso bastante significativo. Já não dá para fazer viagem completa até ao Martim Moniz. Recebo ordens para ir apenas até à Graça e ao mesmo tempo, percebo o descontentamento de uma turista espanhola por ter de sair no terminal e ter de voltar a entrar para regressar ao ponto de partida. Explico-lhe que a linha não é circular e daí ter de tomar em conta o destino na bandeira e lá parece compreender. Não compreendia no entanto o porquê de ter de pagar outro bilhete. Mas afinal até tinha "viva viagem", validou novamente e lá foi de novo a desfrutar de uma viagem que para mim nunca mais tinha fim. 

Saturado já ao fim de 9 horas após o início e com as 2 horas de pausa pelo meio, o que eu queria mesmo era que chegassem as 20h46 que tardavam em aparecer. Cheguei à Graça e lá estava de novo a turista espanhola sentada como se fosse a única que estava bem já após toda a gente ter saído. Lá saiu e voltou a entrar e desta feita pagou 2.85 € porque o seu cartão já tinha esgotado as viagens. Saiu na Rua Augusta, local onde por pouco não passava, porque tinha acabado o espectáculo multimédia na Praça do Comércio e uma multidão cruzava a passadeira como se de uma manifestação se tratasse. Resumindo, entrei às 10h09, saí às 20h46 e confesso que por hoje já não posso ver, carros, pessoas, luzes de natal, árvores, presentes, e tudo o que esteja interligado. 

Como vêem, nem sempre de boas histórias se faz o nosso dia de trabalho, porque por vezes até o cansaço nos vence e eu hoje fui vencido pelo cansaço.    

2 comentários:

CR 35 disse...

E ainda reclamam que os funcionários públicos trabalham só 35 horas semanais!

Anónimo disse...

Quem sabe o que se passa no convento é quem está lá dentro... e como diz o poeta, eles, passageiros, não sabem nem sonham... quão difícil é atender o público.

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