"Ruas vazias. Noite cerrada e uma geada que deixa qualquer um com vontade de voltar para o conforto do lar. São 04h40 da madrugada e saio de casa para mais um dia de trabalho. As voltas que dou até chegar ao carro, são as mesmas que outros dão ainda na almofada. Há que abrir a "loja" do 28E para levara para a escola ou para o trabalho quem daqui a pouco inicia mais uma jornada..." assim poderia começar o relato de mais uma madrugada pelo coração de Lisboa. Mas em noite de bruxas, que cada vez mais se transforma num evento carnavalesco, a julgar pelos trajes que deambulavam pela cidade, quando além dos amarelos da carris, apenas me cruzei com táxis ou carrinhas de pão neste meu caminho entre casa e a Estação de Santo Amaro.
Copos e garrafas vazias pela estrada era a pontapés. Crise? Qual crise?...
Uma crise mas de sono afectava-me largamente porque como sabem, madrugadas não são mesmo a minha praia. Uma luz âmbar rotativa assinala a marcha da Zorra, o veículo afecto à reparação dos carris, que pela primeira vez vi em serviço porque tal como os morcegos também ela só trabalha de noite. Se no verão nos lembramos dos bombeiros que devem ser lembrados todo o ano, é em dias como estes em que "caio da cama", como dizia um colega, que me faz lembrar na importância daqueles homens que enfrentam o frio da noite, tratando dos carris que percorremos durante o dia. Um bem haja também para eles.

Estava então na hora de rumar para a emblemática 28E. Ruas vazias, lojas fechadas, parecia até que o eléctrico tinha chegado ao campo. Nos prazeres dava até para ouvir os pássaros, ou os passos largos de quem não quer perder o eléctrico que está prestes a partir. -"Bom dia senhor guarda-freio", dizia a senhora quase entre os dentes e ainda o frio não está no seu auge. Olho pela janela e avisto o amanhecer a querer dar um ar de sua graça, com uma claridade que ainda está longe mas que promete trazer algum sol para esta sexta-feira.
Rumo ao Chiado passamos pela Assembleia da República. Rodeada de grades, anuncia a manifestação prevista que poucos recordavam pela manhã. Previa-se portanto constrangimentos na circulação do 28, deixando a pé quem recorre ao eléctrico para a sua deslocação matinal. Os turistas ainda não se viam mas já se fazia prever as questões habituais em dias de manifestações na capital. A acalmia matinal permite-me em algumas paragens onde é solicitada a paragem pelos passageiros, que capte imagens de uma cidade vista através do 28 que tem a cada hora do dia, imagens diferentes dos mesmos locais.
Afinal de contas, quem mais se poderá gabar de trabalhar na mais emblemática carreira de eléctricos da Europa? E porque não do Mundo?...
A manhã chegava então a passos largos e para trás ficava o sossego da noite, a correria dos padeiros e as manobras das cargas e descargas que abastecem os supermercados ainda antes destes abrirem as suas portas. Em seu lugar apareciam então os turistas e em grande número. Com eles veio a esperada manifestação e os cortes, com alguns desvios para a 25E. A prova estava mais que dada, todos os dias são diferentes a bordo da "montanha russa" da capital portuguesa. Hoje foi assim, amanhã será certamente diferente, embora o horário seja novamente para acordar quando a cama convida ainda mais a ficar.
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