domingo, 22 de agosto de 2010

A francesa que queria ser guarda-freio e bonés ao vento...

Continua a a enchente de verão nos eléctricos de Lisboa e se cada um deles fosse um restaurante, poder-se-ia dizer que era todos os dias casa cheia. De facto já pouco falta para se servirem refeições, porque ao que parece os turistas gostam cada vez mais de passar férias a tempo inteiro dentro dos eléctricos, pelo que talvez fosse um excelente negócio, servir refeições a bordo entre o Martim Moniz e os Prazeres.

Cada dia que passa, sinto que desempenho funções que nem todos no mundo se podem gabar. E reparem que não foi preciso ter estudado para médico, cozinheiro, advogado, engenheiro ou seja lá o que for. Na verdade estudei para seguir a vertente da comunicação social, escolhendo a imagem televisiva como futuro. Concretizei o sonho de ser operador de câmara e fiz jornalismo, mas quis o destino que me tornasse Guarda-Freio.

De facto, comunicação é o que não falta no meu dia de trabalho e garanto-vos que é da mais diversificada que pode haver, do português ao chinês, passando pelo italiano e não esquecendo o espanhol e o francês... Outra coisa que esta minha profissão tem de semelhante com a que, para a qual estudei é o movimento. Ora tanto estou nos Prazeres como, de repente, parece que cheguei à Índia com a ajuda do cheiro a caril no Martim Moniz.


Ingredientes à parte, posso então gabar-me de diariamente, e em conjunto com os meus colegas, satisfazer milhares de pessoas que vêem nos eléctricos um prazer único e inigualável. A palavra mais dita num dia é capaz de ser «Castelo», porque é onde todos querem ir, mas por vezes chegados à paragem do Castelo, poucos são os que conseguem resistir à tentação de continuar a viajar pelas ruas estreitas de Alfama no eléctrico.

Entre os sorrisos abertos, lá aparece alguém mais interessado em perceber como funciona o eléctrico. É francesa e aos poucos lá tenta meter conversa até que consegue mesmo. Confesso que não me importei nada, tal a simpatia e beleza da jovem que ficou surpreendida por eu falar francês. Lá lhe fui respondendo às perguntas e encantada com o funcionamento do «tramway», lá me disse que se vivesse em Lisboa era uma profissão que gostaria de ter...

Num instante chegámos à Rua da Conceição... «Au Revoir monsieur, merci pour votre sympathie et explications...», dizia a rapariga ao mesmo tempo que abandonava o eléctrico, não sem antes tirar uma foto junto ao eléctrico, para mais tarde recordar.


«Mas afinal quantas fotos tiram ao eléctrico por dia?», pergunta-me logo de seguida um senhor que aparenta ter acabado de chegar com a sua família do norte do país. - Milhares, disse-lhe. Se o Papa aparece "uma vez por semana na janela do Vaticano e vê-se milhares de flashes a serem disparados, imagine então nós que andamos todos os dias à janela" durante 8 horas aproximadamente... «são portanto, mais fotografados que o Papa!», ironizava o senhor.

Aos poucos o dia ia dando lugar à noite, mas o eléctrico continua com «casa cheia» e resta um espaço no lado esquerdo do guarda-freio. Já na casa dos 50, um senhor, pergunta-me se pode ali ficar até ao seu destino. Brasileiro a passar férias em Lisboa, dizia-se «maravilhado com a beleza da cidade e com os bondes, que de forma impressionante passam junto das casinhas»...

Com o calor que se fazia sentir no interior do eléctrico, muito graças ao facto de viajar rumo à Estrela bem ao jeito de sardinhas em lata, lá me disse a certa altura que ali naquele lugar é que «se está bem. É bom de mais sentir esse fresquinho.» mas nem um minuto passava e já estava a procurar outro lugar, porque o vento fez-lhe saltar o boné da cabeça, fazendo até lembrar a célebre frase de Vasco Santana nos anos 40... "porque chapéus há muitos!"


Fotos: Rafael Santos /
Alessandro Garofalo -Reuters

11 comentários:

Angelo disse...

Que post maravilhoso!

Angelo disse...

Que post maravilhoso!

Anónimo disse...

Muito bom! continua!!

Pingos de Chuva disse...

Descobri hoje este blog e gostei. Já fiz algumas vezes a carreira do 28 e, como alfacinha de gema que adora a sua cidade, adorei a viagem. Senti-me uma outsider no meio de tantos turistas mas valeu a pena. É uma das maneiras de conhecer esta cidade linda. Parabéns pelo blog. :)

Rafael Santos disse...

Pingos de Chuva,

Obrigado pelo comentário. Já agora, comod escubriu o blog? :)

Cumprimentos,

Rafael Santos

Anónimo disse...

É uma alegria saber que os que conduzem os eléctricos também os amam... É sem dúvida um prazer poder andar nos amarelos da carris :D

Pingos de Chuva disse...

Vi um comentário a um post mas sinceramente já não lembro em que blog. :)

CR 35 disse...

Rafael ,qualquer dia vens nos manuais de Turismo com referências ao Guarda Freio que entende várias Línguas e que charmosamente dá explicações técnicas ás meninas estrangeiras tal qual zézé camarinha. Good trips aboard vehicles CCFL,voyages à bord de véhicules bonne CCFL,乘坐汽车旅行的CCFL好,una buena viajes a bordo de vehículos CCFL.Boas viagens a bordo dos veículos da CCFL

Peão Indignado disse...

Descobri este blog através do Passeio Livre e já sou fã. É um prazer ler as histórias, as aventuras e desventuras aqui contidas. Parabéns.

Unknown disse...

Rafael, será que não há um único turista que 'ponha o dedo na ferida'? Lisboa é LINDA, sem dúvida, mas é(está)também MUITO suja e esburacada. O Rossio é gritante! Uma zona tão famosa e procurada/frequentada, está SEMPRE suja. É papeis,copos de bebidas, 'destakes', 'metros' e 'globais' por tudo o que é sítio. A calçada da dita praça,está tão suja, que parece cinzenta de origem! Os canteiros das árvores, com ervas daninhas, algumas já a fazer concorrência ás árvores em matéria de altura. As estradas....vergonhosas! Eu tenho vergonha de passar com o autocarro na Rua do Ouro. Mesmo com autocarros novos...parece o fim do mundo! Olho para o espelho....os estrangeiros sorriem lembrando-se que afinal estão em Portugal!

Rafael Santos disse...

Sim Armando, há os que dizem que Lisboa está suja e têem razão, mas já é tão mau vê-la nesse estado que dispenso aqui referir essa parte.

Um abraço.

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