sexta-feira, 23 de abril de 2010

HeavyTram com fruta à mistura...

Mais uma semana para o historial desta nova etapa na Carris. Sexta-feira, sempre com muito trânsito à mistura e claro está algumas situações que me deixam a pensar "será que isto está mesmo a acontecer?"...

O certo é que em segundos vejo que a realidade é mesmo o que os meus olhos vêem e se numa tarde onde os turistas eram a nota dominante até na carreira 18E, onde vendi mais de 40 bilhetes (algo também fora do normal, nesta carreira que tem dias que surpreendem mesmo quem queria aca
bar com ela), deixaram de o ser logo depois de, já perto do final da tarde, ter chegado à paragem do Cais do Sodré, com destino à Ajuda, e ter na paragem um passageiro com o seu estilo heavy metal apurado, de phones nos ouvidos e o belo do óculo de sol à aviador. De casaco comprido preto e cruz prateada ao pescoço, lá ia fazendo a vénia a quem entrava no eléctrico, deixando-se ficar para último.

Já prestes a retomar a marcha, acaba mesmo por entrar e o som dos seus phones era de imediato audível em todo o eléctrico. «Boa tarde sr. guarda-freio, quero um bilhete s.f.f.», dizia de forma alegre, ao mesmo tempo que a perna acompanhava a batida da bateria. O bilhete rapidamente sai da máquina e num instante pergunta-me se pode ali permanecer encostado à esquerda do eléctrico: «não se importa que vá aqui, pois nã
o? É para apanhar o fresquinho da janela», dizia ao mesmo tempo que voltava a colocar o phone na orelha esquerda e acrescentando que «é uma loucura andar de eléctrico. Muito obrigado por vocês serem honestos e manterem de pé este meu prazer que é andar de eléctrico».

Atrás de mim ia já um senhor com um sorriso e com um pensamento que nem eu quero imaginar. O homem lá continuava a ouvir o seu heavy metal, obrigando-me também a ter de ouvir os decibéis que, eram perceptíveis mesmo para quem não levava nada nos ouvidos. Já na paragem do Conde Barão diz-me que eu devia ter orgulho na minha profissão ("por acaso até tenho") porque ser guarda-freio sempre foi uma profissão que lhe invejou, garantia.


«Mas quando era mais novo o que eu queria mesmo era ser guarda-freio do 28. Ehehe dava mesmo Graça ter os Prazeres de conduzir estes carros, não sei porquê. Não ligue, talvez por causa da manivela não sei», dizia ao mesmo tempo que curtia a música e a viagem no eléctrico. Já em Santos, talvez pelo facto do final de tarde ter arrefecido, decide sentar-se lá atrás e dar também música aos restantes. Os sorrisos pela figura única que ali se transportava, perdoem-me a redundância, eram trocados entre os restantes passageiros e quando chegou à Boa-Hora, despede-se dizendo boa tarde a todos e gritando que «eu gosto de andar de eléctrico e digo a toda a gente, ao contrário de outros. Desculpem mas eu curto mesmo disto!»


Já do lado de fora do eléctrico segue o seu rumo enquanto que alguém no interior do eléctrico dizia que «o homem deve ser é doido!». A verdade é que o homem não se meteu com ninguém, pagou bilhete e ainda curtiu a viagem à sua maneira.

Quem viajou também à sua maneira e na ultima viagem que fiz para a R. da Alfândega foi uma idosa que já a apanhei várias vezes no Calvário e consigo trás sempre uma caixa de fruta vazia. Pede-me sempre encarecidamente para a deixar entrar por trás com a caixa e promete que não estorva ninguém até sair duas paragens à frente. Como o eléctrico ia praticamente vazio, lá lhe autorizei a transportar-se e já depois de acomodar na retaguarda a caixa de madeira vazia, dirige-se ao validador, passou o título de transporte e «muito obrigado senhor condutor. Fica aqui com quatro peças de fruta para o seu jantar, pelo jeito que me fez», ao mesmo tempo que colocava o saco em cima do controller, e escusado será dizer que a senhora ficaria chateada se eu não tivesse aceite. Pessoas de outras gerações com outros hábitos e outros costumes.

São estas e outras coisas que fazem desta profissão única e como alguém disse esta tarde, ser uma profissão digna de se ter orgulho.


4 comentários:

Angelo disse...

Há ainda pessoas maravilhosas nesta cidade.

Quanto ao tipo do heavy metal... O barulho já o deve ter confundido todo, mas se gosta de eléctricos, a gente perdoa!

André Bravo Ferreira disse...

As aparências iludem e neste caso ainda bem.
Um dia destes tenho de te fazer uma visitinha.

Abraço.

Nuno Pato disse...

Também já apanhei um tipo desse género, mas foi na 781.

JC Duarte disse...

Dentro desta linha, aqui fica outra ( http://estorias-oldfashion.blogspot.com/2009/06/soft-drink.html ).
Que o mundo está cheio de gente boa! Nós é que não as vemos!

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